A cigarra e a formiga (A formiga boa)
Houve uma jovem cigarra que tinha o costume de chiar ao pé do formigueiro. Só parava quando cansadinha; e seu divertimento era observar as formigas na eterna faina de abastecer as tulhas.
Mas o bom tempo afinal passou e vieram as chuvas, Os animais todos, arrepiados, passavam o dia cochilando nas tocas.
A pobre cigarra, sem abrigo em seu galhinho seco e metida em grandes apuros, deliberou socorrer-se de alguém.
Manquitolando, com uma asa a arrastar, lá se dirigiu para o formigueiro. Bateu – tique, tique, tique...
Aparece uma formiga friorenta, embrulhada num xalinho de paina.
- Que quer? – perguntou, examinando a triste mendiga suja de lama e a tossir.
- Venho em busca de agasalho. O mau tempo não cessa e eu...
A formiga olhou-a de alto a baixo.
- E que fez durante o bom tempo que não construí a sua casa?
A pobre cigarra, toda tremendo, respondeu depois dum acesso de tosse.
- Eu cantava, bem sabe...
- Ah!... exclamou a formiga recordando-se. Era você então que cantava nessa árvore enquanto nós labutávamos para encher as tulhas?
- Isso mesmo, era eu...
Pois entre, amiguinha! Nunca poderemos esquecer as boas horas que sua cantoria nos proporcionou. Aquele chiado nos distraía e aliviava o trabalho. Dizíamos sempre: que felicidade ter como vizinha tão gentil cantora! Entre, amiga, que aqui terá cama e mesa durante todo o mau tempo.
A cigarra entrou, sarou da tosse e voltou a ser a alegre cantora dos dias de sol.
Do livro Fábulas, Monteiro Lobato, 1994.
A formiga má
Já houve, entretanto, uma formiga má que não soube
compreender a cigarra e com dureza a repeliu de sua porta.
Foi isso na Europa, em pleno inverno, quando a neve recobria
o mundo com seu cruel manto de gelo.
A cigarra, como de
costume, havia cantado sem parar o estio inteiro e o inverno veio encontrá-la
desprovida de tudo, sem casa onde abrigar-se nem folinha que comesse.
Desesperada, bateu à porta da formiga e implorou -
emprestado, notem! - uns miseráveis restos de comida. Pagaria com juros altos
aquela comida de empréstimo, logo que o tempo o permitisse.
Mas a formiga era uma usurária sem entranhas. Além disso,
invejosa. Como não soubesse cantar, tinha ódio à cigarra por vê-la querida de
todos os seres.
- Que fazia você durante o bom tempo?
- Eu... eu cantava!...
- Cantava? Pois dance agora, vagabunda! - e fechou-lhe a
porta no nariz.
Resultado: a cigarra ali morreu entanguidinha; e quando
voltou a primavera o mundo apresentava um aspecto mais triste. É que faltava na
música do mundo o som estridente daquela cigarra, morta por causa da avereza da
formiga. Mas se a usurária morresse, quem daria pela falta dela?
Monteiro Lobato
Sem barra
Enquanto a formiga
Carrega comida
Para o formigueiro,
A cigarra canta,
Canta o dia inteiro.
A formiga é só trabalho.
A cigarra é só cantiga.
Mas sem a cantiga
da cigarra
que distrai da fadiga,
seria uma barra
o trabalho da formiga
Enquanto a formiga
Carrega comida
Para o formigueiro,
A cigarra canta,
Canta o dia inteiro.
A formiga é só trabalho.
A cigarra é só cantiga.
Mas sem a cantiga
da cigarra
que distrai da fadiga,
seria uma barra
o trabalho da formiga
(Paes, s.d.).
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